Jogadores de xadrez ucranianos em tempos de guerra
Na quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022, o GM Kirill Shevchenko, 19, e sua família acordaram com o som de inúmeras explosões perto de sua casa. Eles pegaram suas coisas e se refugiaram no porão, onde ficaram o dia todo, tentando acompanhar as notícias. No dia seguinte, fragmentos de um foguete atingiram a casa de um vizinho a 500 metros de distância, em frente à escola do irmão de 11 anos de Kirill. A família teve que voltar para o abrigo e depois decidiu deixar Kiev. "Foi uma decisão muito difícil de tomar", disse Shevchenko.
Aquela manhã de quinta-feira mudou a vida de todos os ucranianos. Começou uma verdadeira invasão do exército russo, com o bombardeio simultâneo de várias cidades. Com a guerra ainda em andamento e várias negociações entre oficiais ucranianos e russos sem sucesso, o Chess.com falou com vários jogadores de xadrez ucranianos para descobrir como os terríveis eventos no país afetaram suas vidas e suas famílias.
As pessoas que desejam apoiar diretamente a Ucrânia podem entrar em contato com essas organizações que têm um excelente histórico de ajuda eficaz em tempos de crise e que facilitam a doação:
Kiev
"Nossa viagem normalmente levaria quatro horas, mas levamos dez horas desta vez", disse Shevchenko, cuja família se mudou para a cidade de Vinnytsia, no centro-oeste, a cerca de 260 km de Kiev, no dia 25 de fevereiro. A estrada estava com muitos engarrafamentos de pessoas fugindo para a parte mais segura do país, ou mesmo para o exterior.
Os Shevchenkos agora estão hospedados na casa dos avós paternos de Kirill. "Quando saímos de Kiev, vimos muitos caças sobre a cidade e vi um atirando em um objeto", disse Shevchenko. "Em Vinnytsia também vejo aviões, mas parece que são nossos."
Shevchenko vê amplo apoio de países vizinhos, fornecendo armas e ajuda humanitária, bem como voluntários, mas, como o presidente do seu país, o jovem grande mestre ucraniano não entende por que os países da OTAN não estabelecem uma zona de exclusão aérea para a Ucrânia.
"Temos que fechar o céu. Agora eles bombardearam um hospital infantil em Mariupol. Dizem que só atingiriam bases militares, mas estão mentindo. É genocídio agora."
Shevchenko entende que o Ocidente tem medo de uma guerra nuclear, mas não compra esse argumento. "Acho que é impossível para Putin porque a Rússia também não será mais um país."
Em outubro de 2021, Shevchenko mostrou seu talento ao vencer o torneio de blitz de Lindores Abbey, em Riga. Online, ele foi um dos primeiros a buscar ajuda da comunidade do xadrez, e com sucesso. Também com a ajuda do Chess.com, o GM Hikaru Nakamura organizou uma live de angariação de fundos de 12 horas que levantou mais de $130.000.
131,304$!!!
— Kirill Shevchenko (@Chesser_22) March 2, 2022
I am very proud of our BIG friends from USA. Low bow and huge gratitude to @GMHikaru ,he made this stream possible. Many thanks to @chesscom @DanielRensch for huge donats! Thanks to @IM_Rosen @ben_finegold @Anna_Chess @photochess @akaNemsko for being part of it!✌🇺🇦 pic.twitter.com/HGvCSCqKKT
Os avós de Shevchenko, por parte de mãe, ainda estão em Kiev. No outro dia, Shevchenko conversou com seu avô, que lhe contou sobre o bombardeio nas proximidades. "Se o foguete atingir o solo, seus ouvidos tremem. Se não, significa que a defesa aérea atingiu o foguete. Então você ouve uma grande explosão."
Também de Kiev, Oleksandr Matlak, de 45 anos, é o diretor executivo da Federação de Xadrez de Kiev. Como muitos homens em seu país, ele teve que se despedir da sua família. Sua esposa, seus dois filhos (seis e onze anos) e sua sogra se mudaram para a região oeste.
Com poucas exceções, nem todos os homens entre 18 e 60 anos podem deixar o país - mas Matlak não faria isso de qualquer maneira.
"Vou ficar em Kiev. Quem defenderá nossa cidade neste caso? Fui informado de que devo permanecer na reserva. Se necessário, e eles me chamarão, eu me juntarei a eles."
Matlak está sozinho em sua casa. Quando perguntado se ele está relativamente seguro, ele aponta que é a palavra errada a ser usada. "Tem 'extremamente perigoso', 'muito perigoso' ou 'perigoso'. Ouvimos explosões e tiros por toda a cidade. Tem sido mais ou menos normal nos últimos dias, mas quem sabe o que o amanhã trará."
Além do seu trabalho para a federação de xadrez local, Matlak é ativo na comunidade ucraniana no Chess.com e foi ele quem organizou o torneio de blitz em um sábado em memória de Alexey Druzhinets, um treinador de crianças e árbitro que morreu na violência da guerra no dia 2 de março.
Mas na maior parte do dia, Matlak participa de atividades de coordenação para a defesa territorial do seu país e trabalha com voluntários para fornecer alimentos e roupas a pessoas necessitadas. Ele diz que cada vez mais jogadores de xadrez estão trabalhando com ele, como os irmãos Igor e Alexander Kovalenko.
"Alexander tem usado sua bicicleta para entregar comida e remédios", disse Matlak.
GM Igor Kovalenko (FIDE 2674) is actively volunteering in Kyiv and helping his brothers who took up arms. If you want to support him - feel free to open my FB post and find some bank requisites https://t.co/iaFqshLY4j pic.twitter.com/Tqsh7JMlbM
— Pavel Eljanov (@Eljanov) March 2, 2022
Kharkiv
O GM Pavel Eljanov, de 38 anos, duas vezes medalhista de ouro olímpico por equipes, é de Kharkiv, a segunda maior cidade do nordeste do país, que sofreu intenso bombardeio. Por toda a cidade, prédios foram atingidos e às vezes destruídos.
"Há bombardeios em Kharkiv todos os dias e ainda não acabou", disse Eljanov. "Ouvi dizer que cerca da metade da população [totalizando cerca de 1,5 milhão de pessoas] já deixou a cidade, que está muito afetada."
Eljanov deixou Kharkiv no dia 25 de fevereiro, um dia após o início da invasão. Essa foi uma grande mudança de planos, já que ele pretendia voar para os Emirados Árabes Unidos para trabalhar como treinador no dia 24, mas os voos não estavam mais acontecendo.
"Ouvimos o bombardeio a partir do dia 24, por volta das 5 da manhã e ficou claro para nós que era uma invasão completa".
GM Yuri Timoshenko took a weapon and went to defend our capital. Meantime my native Kharkiv and exactly my dormitory district (Alekseevka) was bombed by Grad missiles this afternoon with dozens of civilian casualties. We'll never forgive and forget! pic.twitter.com/cAFYyK8PbO
— Pavel Eljanov (@Eljanov) February 28, 2022
Eljanov decidiu ir para sua mãe, mas sua ex-esposa e filha inicialmente ficaram em Kharkiv esperando para ver como a situação se desenvolveria. Alguns dias depois, elas também se mudaram para o oeste, pois estava ficando muito arriscado.
"Felizmente, a minha casa ainda está de pé", disse Eljanov. "A casa da minha mãe, em um prédio de nove andares, foi danificada, mas não completamente destruída. Está relativamente segura. Algumas janelas foram quebradas."
Eljanov, que dormiu apenas cerca de duas horas por noite na primeira semana e mal conseguia comer, diz que está "recuperando suas energias agora" e tentando ajudar as pessoas com dinheiro e graças aos seus contatos.
IM Odnorozhenko Evgenyi from Kharkiv took up arms and defending our hero city from russian war criminals. You can follow news from his combat squad here: https://t.co/W3GyQTkBr7. You can find also some details there how to support them via money transfer. #Ukraine️ #Kharkiv 🇺🇦 pic.twitter.com/g3cz0qai6w
— Pavel Eljanov (@Eljanov) March 7, 2022
O GM Alexander Moiseenko, de 41 anos, está atualmente na região de Poltava, no centro da Ucrânia, mas ficou em Kharkiv por 10 dias antes de finalmente se mudar para um lugar mais seguro com sua irmã. Ele queria evacuar seu pai de 81 anos, que não queria sair.
"Não foi fácil sair, mas a guerra estava cada vez mais próxima. Primeiro destruíram um prédio a um quilômetro de distância, depois um mercado a 700 metros. A três quilômetros, já está tudo destruído."
Nos primeiros 10 dias da invasão russa, Moiseenko e seu pai ficaram em seu apartamento a maior parte do tempo porque o metrô mais próximo fica a três quilômetros de distância. "Todas as noites ouvíamos muitas explosões. No começo, você não entende o que está acontecendo e fica com medo."
Moiseenko, que venceu o Campeonato Europeu de Xadrez de 2013, diz que muitas casas e prédios em seu bairro foram danificados e um grande número de pessoas morreu. Quando uma estação de energia próxima foi atacada, o bairro de Moiseenko ficou sem eletricidade, luz e internet.
"No terceiro dia, saí, porque tinha que comprar comida. Vi que uma grande loja estava aberta e cerca de 700 pessoas estavam na fila. Fui a outra loja, mas também havia ataques acontecendo. Finalmente encontrei algo em uma loja pequena."
Moiseenko elogia os muitos trabalhadores que de alguma forma conseguem manter o país funcionando. Esses "heróis sem capa" são pessoas que ainda administram os supermercados, os trens, a polícia. Pessoas que dirigem do oeste para trazer comida, remédios e roupas. Pessoas que se voluntariam para detonar bombas.
Como Shevchenko, Moiseenko diz que é importante ter uma zona de exclusão aérea sobre a Ucrânia. "Na OTAN eles são covardes. Eles apenas nos sacrificam. Quem fica nas cidades? As pessoas mais heróicas e os mais pobres e idosos, que podem morrer a qualquer momento. As pessoas ajudam, mas os governos só vêm com palavras vazias."
Odessa
A GM Natalia Zhukova, de 42 anos, duas vezes campeã europeia e medalha de ouro olímpica no torneio por equipes, não jogou muito xadrez nos últimos anos, dedicando seu tempo principalmente à política local. Como vice-presidente da Câmara Municipal de Odessa, ela trabalha o dia todo e em casa à noite, após o toque de recolher das 20h, ajudando seus conterrâneos de todas as formas possíveis. Ela estava muito ocupada para marcar uma entrevista, mas gentilmente respondeu a algumas perguntas por mensagem de texto.
"O primeiro dia da guerra foi um choque, porque parecia que tal coisa era impossível no mundo civilizado", disse ela. "No segundo dia, comecei a ajudar."
Juntamente com seus amigos, Zhukova primeiro se concentrou na estação regional de transfusão de sangue. Eles começaram a levar os médicos para o trabalho, porque nos primeiros dias da guerra era difícil usar transporte público e táxis. Eles também forneceram tudo o que era necessário para os soldados que guardavam as instalações.
Em seguida, foi criado um centro de voluntários da cidade, que coleta todos os pedidos do exército ucraniano e das forças de defesa territorial. É aqui que Zhukova trabalha agora.
"Todos os dias, 24 horas por dia, estou em contato: coordeno voluntários, empresários, lideranças municipais. Penso e decido como ajudar as pessoas, onde encontrar remédios, roupas, colchões e outras coisas. Estou escrevendo isso depois de duas semanas de guerra, quando nossa cidade de um milhão de pessoas está funcionando como um relógio, em grande parte graças à equipe do prefeito."
Os pais e o irmão de Zhukova vivem atualmente em Kakhovka, uma cidade a cerca de 250 km de distância, que foi ocupada no segundo dia da guerra pelas tropas russas.
"Estou em Odessa e ficarei aqui até o meu último dia. Tenho certeza de que podemos defender a cidade. Vejo por dentro tudo o que está sendo feito para conseguir isso."
Zhukova diz que é grata a todos por apoiarem a Ucrânia. "Não estamos apenas lutando por nossa terra. Estamos lutando por nossa liberdade! Não temos medo, porque sabemos que a verdade está conosco. Defendemos os valores globais de vida e liberdade. Enquanto alguém fora da Ucrânia pensa em mudanças econômicas ou a possibilidade de participar de um torneio, aqui pensamos na nossa sobrevivência!"
Como Zhukova, o GM Mikhail Golubev, de 51 anos, esteve menos envolvido no xadrez recentemente e mais no trabalho do setor civil em Odessa. Conhecido por escrever vários livros de xadrez no início dos anos 2000, ele se tornou politicamente ativo em algum momento e, a partir de 2013, passou a fazer parte do movimento Euromaidan. Após um pequeno AVC em 2019, que o deixou com alguma dificuldade para andar, ele agora trabalha principalmente como treinador de xadrez online.
"Eu estava preocupado com Putin muito antes do que a maioria das pessoas", diz Golubev. "Quando ele assumiu o canal NTV em 2001, foi um sinal de alerta para mim."
Portanto, não foi totalmente surpreendente o que aconteceu há duas semanas: "Não posso dizer que fiquei chocado. Digamos apenas que estava pelo menos parcialmente preparado. Só esperava que Putin não fosse tão louco, mas acabou sendo pior do que isso. A maioria das pessoas esperava, mesmo as pessoas que não gostam dele."
Desde o início da invasão russa, Golubev apoia o Centro de Voluntários GO Kalyna para ajudar na defesa territorial e militar.
"Recebemos apoio do governo e dos municípios, mas depende muito dos voluntários. Uso meus contatos para ajudar a fornecer alguns fundos. Não apenas para armas, mas para qualquer coisa que o exército precise para defender. Faço o que acho que posso fazer mais eficientemente”.
Odessa ainda não sofreu muitos ataques diretos, mas houve sirenes de ataque aéreo. Golubev usa uma analogia do xadrez para descrever a situação: "Diferentes variantes são possíveis. Você não pode calcular todas as variantes porque a posição é complicada e você não tem certeza do que o inimigo tem em mente, então você tem que se preparar para coisas diferentes."
Friends, I am co-operating with the team of the GO Kalyna volunteer center (Bazarna 25, Odessa) to help the Territorial Defense and the Armed Forces of Ukraine in Odessa/Odesa. If you're willing to help, please send me a PM. pic.twitter.com/CClgyKR3JE
— Mikhail Golubev (@mikhail_golubev) March 8, 2022
Lviv
Uma das maiores comunidades de xadrez da Ucrânia está localizada em Lviv, a maior cidade da parte ocidental do país, localizada a aproximadamente 70 quilômetros da fronteira com a Polônia. É um lugar relativamente seguro, mas não se sabe por quanto tempo.
"Ontem foi o primeiro dia em que não tivemos uma sirene de ataque aéreo", disse Andrei Volokitin, um grande mestre de 35 anos de Lviv. Sua esposa e sua filha de três anos fugiram para a Polônia. Isso significa que, atualmente, Volokitin tem quartos livres em casa que ele usa para ajudar seus compatriotas que fugiram da parte leste do país. Por exemplo, ele hospedou por alguns dias Vitaly Zatonskih, o pai da IM Anna Zatonskih e, no momento, uma mulher de Kiev e suas duas filhas, também da comunidade do xadrez, estão hospedadas com ele.
"Eu não estive no exército, não tenho habilidades de combate, então só posso ajudar de outra maneira", disse Volokitin.
O tricampeão ucraniano descobriu de outra forma que a invasão havia começado no dia 24 de fevereiro. "Acordei às seis ou sete da manhã e saí com meu carro para abastecer. Havia muitos carros, mas nada de gasolina."
Após alguns dias de "choque e pânico", foi decidido que sua esposa e filha deveriam ir embora, mas o pai de Volokitin, de 61 anos, ficou, assim como o marido de sua irmã, que é programador.
"Ele conseguiu bloquear alguns sites russos!", Volokitin sorriu.
Assim como Volokitin, o GM Yuriy Kryvoruchko, de 35 anos, está hospedando amigos do mundo do xadrez em sua casa em Lviv. O mencionado Eljanov ficou com ele por algum tempo. Alguns dos hóspedes temporários estão a caminho da Polônia, onde também estão a esposa e os filhos de Kryvoruchko, uma menina de cinco anos e um menino de dois anos.
"Os primeiros dias foram extremamente deprimentes, não sentimos nenhum apoio dos países europeus", disse Kryvoruchko, que foi campeão ucraniano em 2013. "Demorou alguns dias até que as sanções viessem. A Alemanha levou dois ou três dias para nos dar... cinco mil capacetes. Agora sentimos muito apoio."
A WGM Myroslava Hrabinska, de 37 anos, é uma das jogadoras que teve que deixar o marido para trás na Ucrânia. Ela está hospedada com a irmã na Alemanha, perto de Frankfurt.
"Os nossos corpos estão seguros, mas as nossas almas estão sofrendo muito", disse ela.
Seu marido é o IM Vladimir Grabinsky, 48 anos, [a transliteração de nomes eslavos da FIDE nem sempre é consistente], um conhecido treinador na Ucrânia, que em 2007 escreveu junto com Volokitin, um de seus alunos, o aclamado livro "Perfect Your Chess".
"Ficamos em Lviv por quatro dias, mas a sirene do ataque aéreo tocava regularmente", diz Habrinska. "Estávamos escondidos no banheiro porque não havia metrô por perto. Tínhamos que dormir com nossas roupas para estarmos sempre prontos para nos esconder."
A família decidiu que Habrinska partiria para a Alemanha com a filha de 15 anos e o filho de 5 anos. Levaram dois dias e meio para chegar à Polônia, onde receberam "grande apoio", segundo Habrinska. "Você só precisa mostrar um passaporte ucraniano para entrar nos trens de graça."
A família foi apanhada pelo marido da irmã, que os levou de carro até Frankfurt, de onde acompanham as notícias e tentam conversar com Grabinsky todos os dias.
"Seu humor tem altos e baixos, mas principalmente fica para baixo. Mas ele continua a dar aulas de xadrez online. O problema é que as crianças estão todas sem escola e também se sentem deprimidas. Ele ainda tem dois grupos de cerca de 15 crianças cada. Ele não é militar; ele acha que é o melhor que pode fazer agora."
Futuro
O que acontecerá nos próximos dias, semanas ou meses?
"Não parece haver um fim à vista", disse Habrinska. "Eles aparentemente querem matar qualquer um, eles continuam atacando instalações civis, bombardeando casas, escolas, hospitais. Não consigo imaginar que possa haver um acordo sem ajuda do exterior. Relações pacíficas com Putin não vão ajudar. Se o Ocidente permanecer pacífico, só vai causar mais problemas."
"Putin provavelmente cometeu um grande erro", disse Kryvoruchko. "Provavelmente, ele esperava chegar a Kiev em poucos dias e não previu todas essas sanções. O preço que ele teve que pagar aumentou consideravelmente."
Mesmo que avancem ainda mais, Kryvoruchko considera problemático para a Rússia ocupar seu país: "Ocupar as grandes cidades é impossível. Antes da guerra, a população era de cerca de quatro milhões. Agora pode ser dois ou um, mas você consegue imaginar um milhão de civis odiando você, odiando as forças russas?"
"Não sei o que vai acontecer", disse Golubev. "Acontece que somos capazes de sobreviver à primeira onda de ataques. As apostas são altas para Putin."
Shevchenko é um dos poucos com uma imagem bastante definida. "Para mim, a situação é mais ou menos clara", disse ele. "A primeira opção é que a Rússia continue seu ataque e, em seguida, pode acabar falindo econômica e politicamente em meados ou final de abril. A segunda opção é que alguns líderes russos vejam que não estão progredindo e se sentem para conversar com nosso primeiro-ministro".
"Claro que as tropas russas tentarão atacar Kiev e estou convencido de que não terão sucesso", disse Matlak. "Mas, infelizmente, eles podem causar grandes danos à nossa cidade e às nossas vidas. E lembre-se que não estamos lutando apenas por nossa liberdade, mas também pela paz na Europa".
'Dvorkovich deve renunciar'
Quase todos os jogadores ucranianos que entrevistamos concordam em uma coisa: Arkady Dvorkovich, ex-líder político do governo russo, deveria deixar o cargo de presidente da FIDE.
"Acho que Dvorkovich deveria ter renunciado imediatamente", disse Volokitin. "Deveria haver novas eleições. Com esta liderança, a FIDE está moralmente falida. Faz 27 anos que temos o presidente da FIDE sendo da Rússia. É hora de mudar."
"Dvorkovich não consegue ficar neutro", disse Kryvoruchko. "Apesar de todas as coisas boas que ele fez pelo mundo do xadrez, em geral, é impossível ocupar o cargo de presidente nessas circunstâncias."
"Não posso julgar do ponto de vista técnico, mas do ponto de vista moral, Dvorkovich deveria renunciar", disse Golubev.
Eljanov é o único jogador ucraniano com quem conversamos que não é fortemente a favor da saída de Dvorkovich. "Eu não tenho uma opinião sobre ele. Devemos esperar pela sua declaração. Se ele concordar em se distanciar completamente da Rússia, não vejo sentido em mudar isso. Acho que depende dele e da Assembleia Geral da FIDE decidir."
Banir jogadores russos e bielorrussos?
A maioria dos ucranianos também é a favor de proibir jogadores russos e bielorrussos de jogar, ou seja, nem mesmo permitir que joguem torneios individuais sob a bandeira da FIDE, conforme decidido pela FIDE e pela União Europeia de Xadrez.
"Temos que pedir a exclusão de jogadores russos e bielorrussos", diz Matlak. "As cores russas agora são sinônimo de apoio ao Putin. Estou ciente da carta em que 44 jogadores se manifestaram contra a guerra, mas há cerca de dois mil jogadores titulados na Rússia. 44 é um número miserável."
"Tenho boas relações com muitos jogadores russos", reagiu Kryvoruchko. "Vi a carta com os 44 signatários, vi o discurso do GM Alexander Grischuk. Por outro lado, se eles ganham dinheiro jogando, pagam impostos e, portanto, financiam a guerra."
"Os homens na Ucrânia não podem deixar o país, então eles não podem jogar competições por causa de uma guerra com a Rússia. Por que então os russos podem jogar?" pergunta Moiseenko. "Tenho amigos russos, mas eles não devem poder jogar torneios durante esta guerra. Deve haver uma regra clara. Por exemplo, não podemos jogar o Campeonato Europeu no momento. Por que eles podem? Não vamos permitir que eles façam isso enquanto o país deles nos atacar."
Eljanov acredita que os jogadores russos que são a favor da guerra devem ser fortemente penalizados, mas ele não tem certeza de uma proibição para todos. "As equipes da Rússia e da Bielorrússia deveriam ser suspensas por um tempo, mas não tenho certeza sobre a proibição de jogadores individuais. Não sei qual é a melhor solução. Na Bundesliga alemã, os jogadores russos só podem jogar se assumirem uma posição clara e assinar uma carta pública contra a guerra."
Como ajudar?
Além das várias maneiras de doar (veja no início do artigo), como as pessoas podem ajudar a Ucrânia? De acordo com alguns dos grandes mestres com quem conversamos, não basta mostrar uma bandeira ucraniana em seu perfil do Facebook ou Twitter, ou escrever que você é contra a guerra.
"Todas as pessoas devem se unir para ajudar nosso país e nosso povo a acabar com esse horror. Caso contrário, Deus me livre, se a Rússia vencer a Ucrânia, a Europa será a próxima", diz Shevchenko. "Muitas pessoas dizem 'não à guerra', mas como eu disse na live do Nakamura, ficaria claro se você dissesse isso em 1941, mas se você é da Rússia ou de um país estrangeiro, não está claro de que lado você está."
"Muito obrigado a todos aqueles que apoiam e ajudam os ucranianos a defender nossa pátria contra a agressão russa", disse Matlak. "Você pode tentar fornecer ajuda financeira e humanitária aos nossos refugiados. Cada dólar é muito importante."
Moiseenko: "O mundo inteiro deveria descobrir como parar a guerra em uma semana. Todo o resto não é importante. As partes devem chegar a algum tipo de acordo. Muitas pessoas estão morrendo. Vamos protestar não apenas dizendo 'sem guerra', mas também vamos exigir ajuda dos governos, fechando o espaço aéreo e exercendo pressão mais do que economicamente."
O Chess.com também esteve em contato com outros jogadores. As GMs Anna e Mariya Muzychuk deixaram o país e estão a salvo. Anna escreveu: "Estamos nos mudando para a Europa. Mas nossos pais, avós e a maioria de nossos parentes permanecem na Ucrânia. É muito triste e doloroso ver e testemunhar o que está acontecendo".
O GM Vasil Ivanchuk, campeão mundial de xadrez rápido e blitz e, no geral, o jogador ucraniano mais bem-sucedido da história, também está seguro. Por enquanto, no entanto, ele se recusou a comentar.
Atualização de 11 de março de 2022: Ivanchuk está entre as dezenas dos principais jogadores ucranianos que assinaram uma carta exigindo a proibição total de jogadores de xadrez, treinadores, árbitros e oficiais russos e bielorrussos de se envolverem em eventos da União Europeia de Xadrez, bem como uma reunião da Assembléia Geral da FIDE para exigir a renúncia imediata de Dvorkovich.
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